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Encontro

Hodie, nunc, hoc anno Querido diário,                                                    não sei se você pode me ouvir. Tive um dia estranho. Logo eu, cujos dias costumam ser tão mediocremente normais. Logo eu, tão racional, chego em casa e não posso sequer explicar para o gato coalhado o que vivi. Encontrei-me comigo mesmo. Sim. Meu eu de seis anos atrás, arranhando seu modesto blog de raros leitores, como a escrever artigos literários na revista Orfeu. Lá estava ele... no escuro, bruxuleando à luz das velas. Ele gostava muito de velas. Garoto jovem, sonhador. Romântico, admirava os túmulos e os cemitérios. Amaldiçoado sem saber. Chegava a brilhar de expectativas, de talento, de entusiasmo com o futuro que se lhe abria, ainda sem o amargor do fracasso. Feliz, ele ri cristalinamente, bem encaixado em seu quebra-cabeça, todas as peças no lugar. Nem me reconheceu. Digo, como alguém do passado pode reconhecer seu futuro, torto e desfigurado? É contra as re

Dança de Sexta 13

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A lua sobe cheia sobre lápides podres Ao soar macabro dos primeiros tambores! Formas escuras nas trevas trabalham Bruxas e demônios em criptas se casam! A noite mal começa E começam-se os gritos! Gritos de mulheres Mordidas por vampiros! Feiticeiras dançam à luz do luar As costas curvadas, a gargalhar. Em ritual secreto vassouras empunham E maldiçoes horrendas aos mortos conjuram. Fantasmas bebem em crânios ao vento Seguindo o ritmo, sempre a entoar Com vozes tristes e de vida sedentos A sina eterna do eterno azar... Petrus A.

Oceano

Olho a praia. A treva é densa. Ulula o mar, que não vejo, Naquela voz sem consolo, Naquela tristeza imensa Que há na voz do meu desejo. E nesse tom sem consolo Ouço a voz do meu destino: Má sina que desconheço, Vem vindo desde eu menino, Cresce quanto em anos cresço. - Voz de oceano que não vejo Da praia do meu desejo... Manuel Bandeira Triste. Só por hoje.

Vincent

O melhor curta que eu já assisti! Lembrou um pouquinho de mim, esse Vincent Malloy. Desde criança, meu sonho é ter uma daquelas casas antigas, escuras, com úm cemitério no quintal e uma sebe cobrindo as paredes. Fico imaginando as pessoas olhando-a admiradas em uma noite escura. Aquela casa austera e misteriosa, onde os córvos vem pousar. E então, de repente, surge a figura de um homem na janela, atrás das cortinas: EU háhá! Morro de vontade de andar pelo cemitério à noite, sabe. Não vou porque sempre há mais coisas lá do que fantasmas ou bruxas violadoras de túmulos. Drogados. E porque se me pegam lá eu vou preso com eles. Mas em noites de luar eu às vezes posso ser encontrado sentado em um banco da praça central de minha cidade, sob uma árvore. Só e envolto pelas trevas. Lá é muito escuro após o por-do-sol. Sinto-me bem. Fico lá pensando, inventando contos (o que eu preciso voltar a fazer com urgência) e ouvindo os grilos. Esse curta me fez sentir em casa. Quer

Paixão de Veraneio

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Paixão é como a chama Da vela que oscila. O fogo que sutil engana A alma de amor ensandecida. Paixão é luz no escuro Onde vaga-lumes vem brincar. Corpos atraídos pelo brilho Que no calor hão de queimar. Paixão é momento eterno E por isso é passageiro. Não há nada de mais concreto Que paixão de veraneio. Petrus di Andrada Nota: São delas que nós lembramos com carinho...

Balada da Moça do Miramar

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Silêncio da madrugada No Edifício Miramar... Sentada em frente à janela Nua, morta, deslumbrada Uma moça mira o mar. Ninguém sabe quem é ela Nem ninguém há de saber Deixou a porta trancada Faz bem uns dois cinco dias Já começa a apodrecer Seus ambos joelhos de âmbar Furam-lhe o branco da pele E a grande flor do seu corpo Destila um fétido mel. Mantém-se extática em face Da aurora em elaboração Embora formigas pretas Que lhe entram pelos ouvidos Se escapem por umas gretas Do lado do coração Em volta é segredo: e móveis Imóveis na solidão... Mas apesar da necrose Que lhe corrói o nariz A moça está tão sem pose Numa ilusão tão serena Que, certo, morreu feliz. A vida que está na morte Os dedos já lhe comeu Só lhes resta um aro de ouro Que a morte em vida lhe deu Mas seu cabelo de ouro Rebrilha com tanta luz Que a sua caveira é bela E belo é seu ventre louro E seus pelinhos azuis. Vinicius de Moraes

A gramática

"A gramática, a mesma árida gramática, transforma-se em algo parecido a uma feitiçaria evocatória; as palavras ressuscitam revestidas de carne e osso, o substantivo, em sua majestade substancial, o adjetivo, roupa transparente que o veste e dá cor como um verniz, e o verbo, anjo do movimento que dá impulso á frase". Charles Baudelaire